quinta-feira, 15 de novembro de 2007

O Primeiro Anjo


Naqueles dias, as pessoas buscarão a morte e não a encontrarão: desejarão morrer, mas a morte fugirá delas. Os gafanhotos pareciam cavalos preparados para a guerra. Tinham na cabeça algo semelhante a coroas de ouro, e sua cara era como um rosto humano. Os cabelos eram como cabelos de mulher e os dentes, como dentes de leão. As couraças eram como couraças de ferro, e o barulho das asas pareciam o barulho de carros com muitos cavalos que correm para a batalha. Tinham caldas como ferrão como os escorpiões. Era na cauda que estava o poder de causar danos às pessoas (...). Tinham por rei o anjo do abismo, cujo nome hebraico é Abadon e em grego Appolion. (Apocalipse, O Livro das Revelações, cap. 9, v. 6-11).

sábado, 13 de outubro de 2007

A Sinestesia dos Santos


Eu toco – e como não poderia chorar?
Minhas mãos tristes decidiram estar aqui e sou apenas extensão da vontade dessas gêmeas egoístas que me comunicam o mundo. Tudo escorre entre minhas dobras rústicas, que apalpam sem piedade a superfície do mundo, distinguindo sons e gostos e me fazendo suar ante a aspereza daquelas palavras, que chegaram através delas, das minhas mãos e, portanto, já alteradas pela rudeza do toque, que apanha o punhado de discurso e lança por terra, misturando na lama porosa antes de mergulhar nos meus ouvidos, discurso que vem da terra não é o mesmo discurso, mas prefiro que o argumento se perca a perder a textura do sentido – outro significado, outro sabor, mas menos insípido que as palavras nuas que me são dadas, como se eu fosse um pedinte de palavras!
Bem, não sou pedinte de palavras, sou sim de significados – e isto eu posso encontrar na sujeira da terra, misturo aquele discurso a ela então, e engulo some lama, sentindo, sentido, sentindo, posso gozar com o som das palavras em cascata, detritos que me revelam cores, que me revelam gostos, que me revelam cheiros e que em si não são nada além de fragmentos de uma realidade criada para entreter os cegos, os cegos de símbolos, que procuram o fato, não o signo que o contém, continuo tateando então, porque me recuso a sentir o mundo pelos olhos –onde o conjunto de formas se apresenta já dado, formas já acabadas, já mortas, por isso rasguei meus olhos, foi a primeira coisa que misturei à terra, a primeira coisa que engoli e escutei morrer em mim – e você não faz idéia doresultado... Eu tenho mágica faiscando pelas mãos e o mundo é grande, maior, bem maior que meu par de olhos manchados de sangue.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Parindo Filhos de Realidades...

Sentado numa nuvem, sem asas, sem forma, à contemplar a Terra.
Enfim, não há vencedores. Nunca houve, e sabe por quê?Porque não há regras, elas são apenas invenções fantasiosas de nossas mentes desamparadas. No fundo todos nós sabemos. Agora posso ver que todos são tão feios quanto eu. Vocês podem sufocar o vazio que são com cultura, estética, crenças, sonhos... Mas no fundo sabem o quanto são criaturas horríveis!
Alguns se iludem tanto e tão desesperadamente que vivem quase toda a existência em tranqüilidade, conformidade, pretensa felicidade. Porém, até estes sentem – mesmo que sejam breves lampejos em uma vida inteira – sentem a agonia engolindo suas almas, a sombra que lhes impregna, o buraco podre que são.
Pode ser no ônibus, na escola, na igreja, no cinema, em casa, na cama, em qualquer lugar. Tomados de repente pela sensação abissal de um vazio monstruoso, um nó na garganta que nos engasga de lágrimas, olhamos para todos os lados e nos sentimos sós, completamente sós. Podemos estar caminhando na rua vindo duma festa ou dentro do estádio lotado numa decisão importante – a ausência nos envolve e nos esmaga.
Negue você, bonitinho? Negue você, jeitosa? Negue que uma ou outra vez você não sente um buraco mastigando sua alma? Você pode negar que nunca sentiu o completo abandono roçando sua carne de maneira tão contagiante, como uma doença em eterna ameaça? Um segundo, um tempo, um dia, anos a fio ou a vida inteira?
Não se esconda. Confesse a você mesmo. Aquele ódio inexplicável, aquele sofrimento sem motivo, a insegurança deitado na cama, o pavor súbito e sufocante durante o jantar de Natal com a família. Pode negar? A pontada de caos ou de mal estar no ônibus, na rua – gente feia, muito feia, todos em cima de você. Apenas reflexos teus despertando a ânsia pela fuga...
Fugir? Como?
Se toda esta mesquinhez melosa e nojenta faz parte de nós, somos nós! Alguns descobrem em vida, outros nunca descobrem, mentem para si, mentem para todos. Todos mentem, agora eu vejo. Somos podres, cobertos de feiúra, impregnados dela, mal conseguimos segurar as máscaras – arremedos débeis de um esgar disforme. Assim é nossa essência, minha, tua, dela, deles... por isso, um aviso:
Minta.
Continue mentindo, atolado em cultura, estética, valores, leis, desesperada ordem, pobre coerência... Minta para você e para os outros, ame na mentira, nós somos os mestres nisso. O diabo é um anjo, não esqueçam. Nós e somente nós somos o lixo varrido para fora do paraíso!
Beleza, Sabedoria, taças nas quais devemos nos esbaldar, entornando em nossas caras, embriagando os sentidos, empapuçando nossas chagas – o engodo do engodo. Só assim é possível viver.
Não busque a verdade, ela é feia demais.
E quando a matéria se desfazer diante de nós teremos apenas a realidade frente aos sentidos... e é simplesmente o inferno: sentir vocês comendo, beijando, chorando, dançando, brincando, vivendo, é a mais insuportável de todas as penitências! O mais sublime de todos os horrores – assisti-los no delírio da existência é a forra de Deus para cada um de nós.
“A Verdade vos libertará!”, disse Ele.Ele só não disse que a libertação é um pau com Sua destra bem no meio da nossa cara – “Pá! E te acomoda!”.